O Jogo do Lula - Quadrado, Triangulo e Bola #3

                                                         Quadrado, Triangulo e Bola

A porta se encontrava trancada, no quarto não haviam janelas, somente uma cama, uma televisão, a qual, tentei ligar para ver se havia algum conteúdo disponível, sem sucesso. E no canto, um armário com algumas peças de roupas idênticas, macacões vermelhos com numeração 23, bem como algumas máscaras com o símbolo "x" desenhado nelas, e uma mesa com cadeira e sobre ela uma pilha de documentos.

Após passar alguns minutos, o televisor liga sozinho. Na tv,  uma moça com uma máscara de onça, aparentemente ornamentada em ouro. Além de dar boas vindas ao que chamou de “processo seletivo”, ela passa algumas orientações como regras, deveres e alertas deste processo.

Primeiramente foi solicitado as assinaturas dos termos empilhados em cima da mesa, que variavam de sigilos à isenção de responsabilidade de qualquer dano que possa ser causado por parte da Harpya, dentre outras recomendações. Agora finalmente soube o nome deles.

Foi estabelecido que, não era permitida a comunicação com outros colegas durante o período de treinamento, ou em qualquer momento em que nos encontrássemos fardados; Também  havia uma hierarquia que deveria ser respeitada, sendo somente permitido direito a fala quando um superior assim solicitasse. Estando assim no topo hierarquicamente o “Líder”, e abaixo dele em ordem, gerentes intermediários (símbolo de quadrado na máscara), força de segurança (triângulos), e operários (bola); Precisávamos seguir à risca os horários definidos, entre tantas outras regras. Ao fim, foi  dito que toda e qualquer falha no seguimento dessas regras estaríamos passíveis de punições.

A moça que se denominou como uma das organizadoras dos eventos, termina sua apresentação dizendo que dali em diante, o comando do treinamento estaria em responsabilidade do Líder e que deveríamos encontrá-lo ao sair do quarto em cronometragem de 5 minutos. Após isso, que ficássemos em formação e parados de costas à porta aguardando novas instruções.

Nesse meio tempo de espera, uma questão me confundia. Somando os fatos que tinha sobre os jogos, ainda que desconfiado ao ser ordenado a vestir um daqueles macacões disponíveis no armário, acreditava até então que estaria ali participando da competição, como jogador. Foi então que respirei aliviado ao deduzir com base nisso, pôr aquela roupa, que estaria ali em processo de orientação para trabalhar diretamente para eles, acreditando que não deveria correr risco de vida dessa forma.

Passado o tempo, obedecendo as orientações. Em um estreito corredor, parado de costas a porta do meu quarto, pude contar pelo menos mais umas vinte poucas pessoas vestidas como eu.

No final deste corredor passando entre nós, sutilmente, estava o Líder, com uma presença soberana, de sobretudo preto e máscara estranha, também totalmente preta, sem símbolos, acompanhado atrás com dois “triângulos” armados com fuzis de assalto.

Em determinado momento, enquanto ele andava, o “x” de 17, levantava a mão em sinal de solicitação para fazer alguma pergunta, ao tempo que emendava dizendo ter uma dúvida. Eu, que estava com a cabeça meio baixa, e olhar fixo naquela pessoa, a priori, me espantei com um som de tiro, que se sucedeu a outro som, de seu corpo caindo no chão. O Líder havia sacado uma pistola e atirado contra ele.

Apavorado, eu não conseguia fazer mais nada além de ficar congelado enquanto via o Líder atirar em mais outra pessoa que questionava aquilo havia acabado de acontecer. Foi então que percebi que aquele meu respiro de alívio acreditando não correr riscos tinha sido em vão, ele não durou nada.

Então ele fala pela primeira vez. Esbravejando que havíamos acabado de ver um vídeo explicativo instruindo sobre a forma de se comportar, e que a quebra das regras por aquelas duas pessoas serviriam de exemplo para que aquilo não se repetisse.

Na sequência, ouvimos ordem dada para remoção daqueles corpos. Em tempo que orientava para execução do serviço, a localização de salas que seriam encontrados produtos de limpeza, caixões e crematório para descarte. Nos foi dado o tempo de 01 hora para executar aquela ordem, e que após sua conclusão, encontrá-lo na parte exterior da instalação, onde seriam realizados testes físicos para avaliar nossas condições.

Tentando evitar funções que me causassem certo desconforto maior, fui atrás de pegar os caixões, mas tinham sido mais rápidos que eu, haviam os trazido. Não me restava coisa menos pior do que colocá-los ali dentro. Aquela foi a primeira vez que eu toquei numa pessoa morta. E aquele era só o meu primeiro dia ali. Então seria estranho dizer que estava me acostumando com aquilo, mas de alguma forma não me parecia tão anormal.

Semanas foram se passando, entre tantos exercícios físicos específicos, estudo da forma que a competição era executada e treinamentos operacionais simulatórios. Cada vez menos pessoas iam restando. Era tudo muito estranho, as pessoas sumiam repentinamente, não era como se novos tiros fossem disparados, mas nos era informado que os “números x” haviam sido eliminados de tempos em tempos. Não era necessário presenciar, seria muito ingênuo não interpretar essas eliminações como literais.

Certo dia, quando restavam somente 8 de nós, nos foi informado que havíamos concluído o curso, que voltaríamos para casa e futuramente entrariam em contato com cada um. Não sentia tamanha felicidade há muito tempo. Só pensava euforicamente em poder escrever sobre toda aquela experiência e tudo que descobri.

Pela primeira vez, usava roupas normais desde o dia da chegada ali. Vendados, provavelmente para não sabermos a localização daquele lugar, ainda que o cheiro muito forte de maresia, indicasse ser próximo ao mar. Todos foram direcionados à automóveis para o retorno a sua casa.

De forma semelhante como foi a ida, do retorno à sociedade, não lembro como foi a volta, ao acordar durante a madrugada em um banco de praça próximo a minha casa. Momento este que me remete certa tristeza, recordando da minha miserável vida, porque ainda que submetido a coisas horrorosas, de tão concentrado naquilo, por um tempo esqueci da minha realidade.

Com certeza, por ter sumido sem ter dado satisfação por tanto tempo, já tinha noção de não ter mais emprego. Mas esse era um problema que preferi deixar para ser resolvido posteriormente. Havia sido bem remunerado pelo tempo em treinamento na “Harpya”, o suficiente para adiantar mais seis meses de aluguel do apartamento e de sobrar com conforto a quitar certas dívidas, e me manter por um tempo até conseguir resolver tudo. Mas meu foco deveria ser por hora em preparar material que expusesse tudo isso ao mundo.


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