O Jogo do Lula - 456 #4

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Haviam se passado 3 meses e nenhum sinal da organização. Ao anoitecer de uma quarta-feira, meu telefone vibrou. Era uma chamada sem identificação, mas era implícito no meu entendimento de que era um chamado deles. Olhei por meio momento enquanto a mente pendulava, indeciso se aceitaria a chamada, mas por um deslize impulsivo de dedo atendi. E eram eles, exigindo que eu estivesse sozinho na determinada localização disponível na caixa de mensagens do email, mais uma vez às 01:00 da madrugada.

Dessa vez, a rua quase deserta da baixa de sapateiros, onde só o diabo aquele horário ali sapateava,  não me esfriava a espinha. Estava mais tranquilo, porém, cauteloso, quando chegaram da mesma forma, no mesmo veículo. Entrei na van do mesmo modo, caindo em sono profundo, amnésico. Acordei no já mencionado quarto branco, da mesma forma, nada havia mudado, embora desta vez o televisor já estivesse ligado informando o número de 456 participantes.

Agora em formação com os meus colegas, todos vestidos e equipados com máscaras de círculo, nos preparávamos para a primeira tarefa. Todos caminhávamos em fileira em formação para um daqueles corredores estranhos, absoluto silêncio verbal, apenas passos ritmados. Chegamos a uma gigantesca porta que se abria verticalmente. Por trás da porta havia um salão enorme e lá estavam muitas pessoas ordinárias, vestidas com uma roupa padrão esverdeada e branca e, sim, mais um cadáver.

Era esta a nossa missão; recolher o cadáver. Outros dos meus colegas carregavam caixões com o curioso formato de embrulho de presente. Uma coisa havia me chamado a atenção naquele amontoado de pluralidade de pessoas, apesar de poder ser observado ter todo tipo de brasileiro, sim, a quantidade de minorias étnicas era predominante.

Recolhemos friamente aquele corpo de uma moça aparentemente jovem. Não nos foi informado o que ela fez. Os meses de doutrinação eram realmente eficazes, quando me dei conta, já estava fazendo aquilo como se estivesse carregando apenas um saco de carne e ossos, isento de qualquer vestígio de vida. Aquilo tudo parecia ser “Jogos mortais” com temática infantil, assustador, mas igualmente curioso.

Houve resistência por parte das pessoas para seguir as ordens, fato este que por pouco não ocasionou um motim e consequentemente em mais mortes. Conduzimos as pessoas em fileiras para melhor controle de grupo, subimos todos por escadarias circulares até um certo lugar que seria o local da prova.

Lá estava um enorme campo, o teto e as paredes eram personalizadas para que nos dessem a impressão de que estávamos em um campo aberto. Havia um metrônomo de quase 6 metros com um rosto cartoonizado na pintura, todos se preparavam para o que seria uma macabra derivação da brincadeira conhecida como “Estatua”. As pessoas estavam posicionadas em massa na esquerda, e tinham como objetivo atravessar uma linha de chegada do outro lado, e o metrônomo tocava um ritmo de 4 tempos.  Era permitido correr ou andar durante esse tempo, mas, caso o jogador se movesse após o metrônomo parar, era instantaneamente eliminado. Todos estavam amedrontados e muitos ainda não haviam compreendido que estariam ali para morrer ou ter uma segunda chance de viver.

A fotografia da cena era uma tragédia carmesim. A sangria se estendia a um nível que eu jamais havia visto em lugar algum, máquinas de disparo automatizado atiravam balas especiais altamente destrutivas nos participantes que eram eliminados, havia sangue e pedaços de carne humana de toda cor no chão, o odor era de terra molhada de sangue, as pessoas sapateavam aquele chão desesperadamente tentando sobreviver a “brincadeira”, e os sons eram de tiros de alto calibre e gritos de pânico. Nós ficávamos observando a distância e era visível o arrependimento estampado nas expressões faciais daquelas pessoas.

Recolhemos todos os cadáveres, foram mortas quase 100 pessoas, ainda restavam alguns vivos. Curiosamente, estes que ainda se encontravam vivos eram postos nos caixões da mesma forma, ainda não sabia o por quê.

Dada a gravidade do caos do jogo anterior, algumas pessoas decidiram desistir do jogo. Foi dito aos participantes que o jogo poderia terminar caso acontecesse da maioria decidir, democraticamente, pelo seu fim. E foi feita votação. Estavam acirradamente divididos entre suicidas esperançosos e covardes sensatos, a votação foi apertada, mas felizmente os jogos foram encerrados.

Após isso, sem muitas explicações, fomos movidos para casa novamente, mais uma vez em sono profundo. Lembro-me apenas de acordar na porta do parque da cidade com as mãos amarradas e ainda entorpecido por algum sedativo. Já estava amanhecendo, peguei um ônibus direto pra casa.

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